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22 de fevereiro de 2022

'Um livro sou eu, eu sou um livro.'

'Um livro sou eu, eu sou um livro.'



 
Como é que eu me tornei livreira? Ora bem, eu sou livreira há vinte e dois anos e tornei-me livreira por causa de uma estupidez minha, que é mesmo uma estupidez… e porque gostava de livros. Juntei as duas, foi uma junção do útil e do agradável…. Cometi um erro, estava sem emprego e no espaço de dois meses, qualquer coisa do género, vi uma vaga para livreiros, concorri e fiquei.

A estupidez foi num concurso para professores em que me enganei numa das coisinhas que tinha de colocar e subi na escala indevidamente e, assim sendo, desisti esse ano de me candidatar ao ensino, pois não achava correto candidatar-me com dados errados e procurei alguma coisa para fazer esse ano para não ficar desocupada e foi quando vi um anúncio a procurar livreiros e concorri, gostei e fiquei. Não estava a pensar ser livreira, foi um acaso, mas também acho que não era o ensino que eu queria…

O que é que me faz feliz no trabalho? Ora bem, primeiro tem a ver com o facto de eu gostar de livros. Já gostava, já antes de trabalhar com livros, já era uma leitora - vamos chamar compulsiva- que já era, e na altura não havia a oferta que há… O que me faz feliz é trabalhar com livros, trabalhar com pessoas, mas acima de tudo tem mesmo a ver com os livros. O facto de gostar tanto de ler, do livro enquanto objeto, de poder partilhar aquilo que eu leio, aquilo que eu faço. Para mim existem três verbos para quem gosta de livros: partilhar, ouvir e gostar. Porque eu para fazer aquilo que faço tenho mesmo de gostar do que faço, tenho de saber partilhar e tenho de saber ouvir, mas acima de tudo partilhar, acho eu!

O que gosto menos neste trabalho é a burocracia… Essa é a parte complicada, a parte operacional da coisa, chamemos-lhe assim, a parte da gestão, porque eu não me limito a vender livros, não é? A maior parte das pessoas acha que ser livreiro é simplesmente vender livros, mas há todo um trabalho que tem de ser feito antes e depois. O livro chegar a uma livraria e sair de uma livraria implica as partes mais burocráticas, mais técnicas, mais operacionais, são as que eu menos gosto… mas isso tem a ver com o facto de eu ser de letras.

Se não fosse livreira, o que é que seria? É engraçado que eu não me lembro de fazer essa pergunta a mim própria há anos…, mas é mesmo… não sei… não vos acontece isso? Eu não me faço essa pergunta, porque não me vejo a fazer outra coisa, eu sou o reflexo daquilo que faço, eu sou aquilo que faço, aquilo que faço sou eu.

Este trabalho contribuiu muito para a pessoa que sou hoje: cresci acima de tudo, tive de aprender a lidar com pessoas, tive de aprender a saber ouvir, ou melhor escutar, mas mais do que isso, foi o aprender a lidar com pessoas, a partilhar também, não é que fosse um ser egoísta, mas por norma não tinha com quem falar, não falava muito de livros com as pessoas.

Este trabalho definiu-me. O trabalhar com livros… olha, sou eu, um livro sou eu, eu sou um livro…não sei o que que é que te hei de dizer, ó Vítor não faças perguntas difíceis…

Para mim a melhor história, e inesquecível até aos dias de hoje, porque na altura eu trabalhava com livros há dois ou três anos e não conhecia uma expressão que pelos vistos é usada aqui no Porto. Foi quando um senhor me pediu livros “do homem e mulher em função”! Eu estava na livraria há dois ou três anos e vem o senhor ter comigo e diz “Ó menina, tem livros do homem e mulher em função?” E eu estúpida a olhar para ele “Homem e mulher em função? Mas eu não sei o que é isso…” e ele “Ó menina! Homem e mulher em função!” e eu “Pois, mas… eu não estou a perceber…” e ele “Ó menina, aqueles livros, em que normalmente o autor é anónimo” e saiu-me assim muito alto “Ah! Está a falar de livros eróticos?” e ele “Sim, é isso!” Porquê? Porque havia na altura uma coleção, acho que era da Europa-América, dos clássicos eróticos que são quase todos anónimos, que são as “onze mil vergas” e não sei o quê… já nem me lembro. E eu não conhecia a expressão “homem e mulher em função” e depois alguém me disse “Então essa é uma expressão muito conhecida, é sexo!” e eu não conhecia! Essa marcou-me pela inexperiência e por ser uma situação caricata.

Depois há aqueles momentos marcantes que é quando alguém nos agradece o nosso trabalho ou nos elogia. Lembro-me de várias pessoas em particular. Um foi com o “Stoner” do John Williams. Um senhor foi à livraria de propósito agradecer-me por lhe ter recomendado o livro e que já tinha comprado para aí cinco ou seis para oferecer. O outro foi um livro que eu gostei muito que é o “Pátria” do Fernando Aramburu e eu estava a falar do livro normalmente a um senhor e ele simplesmente me diz assim “Não me diga mais nada, o brilho nos seus olhos já me disse tudo. Não precisa de me dizer mais porque já me conquistou!” E, como esses, há outros porque quando falamos de um livro de que gostamos, a pessoa que está à nossa frente percebe. Percebe que não é forçado, que é sentido, que vem mesmo cá de dentro.

Quando faço isto não estou só a vender, estou a partilhar. Como é óbvio, o meu objetivo é vender, mas aqui falo de partilhar, dar a conhecer… Eu gosto muito de descobrir, gosto de descobrir autores novos, autores diferentes, fujo mesmo dos autores, vou chamar de tops ou de massas, os mais conhecidos que andam aí nas redes sociais ou afins, não é que não os leia (que também leio), mas ao longo destes anos todos enquanto leitora, é raro agora dizer que não gosto de um livro, é raro! Porquê? Porque tudo o que eu leio já é escolhido de outra forma, não é aleatório, não é porque me vem parar simplesmente às mãos, eu estou a ler aquele livro por algum motivo, ou porque comprei há dez ou quinze anos e sabia que o iria ler um dia, ou porque é um autor de que eu gosto mesmo muito ou porque o tema me desperta…é raro nos últimos anos dizer “Eu não gostei deste livro.” É sempre interessante, eu também tenho uma particularidade, eu nos livros tento sempre encontrar algo de positivo. Por muito que o livro me tenha custado a ler ou que não tenha gostado tanto, eu encontro sempre algo de positivo nos livros, sempre!

Para ser um excelente livreiro é preciso saber ouvir, saber partilhar, nunca inventar, nunca mentir, se não se conhece o livro, não vale a pena inventar e usar aquelas expressões… detesto adjetivos para descrever livros, quer dizer deixa-me retificar, não é que eu não goste de adjetivos, não gosto de determinados adjetivos “Ai este livro é maravilhoso!” “Ai, é soberbo!” “É delicioso” “É lindo” “É fofo”, o que é um livro fofo? Mete-me um bocado de confusão…

O conselho principal que eu dou a quem quer fazer isto é que seja verdadeiro. Ser verdadeiro porque como se costuma dizer “a mentira tem a perna curta”. Eu não consigo, se me perguntam por um livro que eu não li, ou que não conheço, eu digo! Eu digo “Olhe, não sei, não li!”, ou então, se li alguma coisa, complemento, digo que vi um artigo ou que alguém já leu que eu conheço, mas não invento naquilo que não conheço.

O que acrescento à vida dos outros? É assim, o livro pode ser um escape… não estou a ver como é que posso ajudar as pessoas… Como é que a vida das pessoas pode ficar melhor por eu existir? Olha, porque eu recomendo bons livros!

Lembrei-me agora de uma história que aconteceu há dias, por falar nisso, aconteceu na semana passada. É uma daquelas pessoas que costumam ir à livraria bastantes vezes, há pessoas que nós só cumprimentamos, outras com quem falamos. Foi casual, a senhora disse-me que queria sair da zona de conforto dela e então se eu lhe recomendava alguma coisa, eu já lhe tinha recomendado vários e ela agora vai lá constantemente perguntar-me por livros. Ela disse-me você falou-me de um chinês há uns dias atrás e eu lá lhe mostrei o chinês e diz ela “Olha, você está a ficar famosa!” E eu “Famosa, porquê?” e ela “Fui há uns dias a outra livraria e estava a dizer-lhes que tinha vindo aqui e que me tinham recomendado xis xis xis… e eles disseram logo que só podia ser a Florinda, claro! Livros fora da caixa, só pode ser ela” Isso é gratificante! E o que é que eu trouxe à vida dela? Trouxe novidade! Ela saiu da zona de conforto dela, ela agora lê coisas completamente diferentes, desta vez levou os três livros que lhe recomendei.

Porque eu também gosto de autores que não são tão conhecidos…olha, o último que li, a “Pele” do Malaparte, quem é que ouviu falar na “Pele”? Um livro tão duro… tão violento… nunca chorei a ler até ler este livro.

| Florinda |

Sobre o Projeto:

Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.

Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.

Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.

| Vítor Briga |
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Vítor Briga
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8 de março de 2021

'Sozinha não é a mesma coisa.'

'Sozinha não é a mesma coisa.'



Sou pianista acompanhadora há onze anos. O que faz um pianista acompanhador? Acompanha os outros instrumentos que têm alguma peça para tocar com piano. Na escola, acompanho os alunos nas aulas, nas provas, nos concertos. Nas aulas, quando o aluno tem uma peça com piano e a peça está lida e preparada para juntar com o piano, faço esse trabalho com o aluno, às vezes junto com o professor para depois apresentar numa audição e, no final do ano letivo, apresentar a prova.

O piano é um instrumento bastante versátil, no sentido em que é um instrumento harmónico. Um violino, por exemplo, é um instrumento melódico, não tem harmonia e precisa do apoio do piano para fazer essa parte.

Por acaso, até nem gosto muito do nome pianista acompanhador porque acaba por dar a sensação de que é uma coisa secundária. Se fizer um concerto com um violinista, eu não sou pianista acompanhadora naquele concerto, estou a fazer música de câmara (música em conjunto) com aquele violinista, e somos dois profissionais. Aqui, eu acho que se deu essa designação por estar inserido numa escola.

Muitas vezes, sinto nas aulas que sou uma espécie de professora secundária, encaram-nos muitas vezes como uma “aparelhagem”: vou lá, sento-me e carregam no play e toco com o aluno. Muitas vezes não há respeito pelo pianista acompanhador, pelo pianista que está ali a fazer um trabalho também muito importante com o aluno, porque o aluno não teria a peça completa se não tivesse o pianista.

Porque é que não colocam uma reprodução áudio em vez de nos contratarem? Há alguns que tentam fazer isso. Por exemplo, para os alunos pequeninos, existem manuais que trazem um CD com o acompanhamento do piano. Só que o CD, ao colocares numa aparelhagem, não deixas de ter uma máquina, aquilo está ali, não mexe, e um pianista acompanhador muitas vezes mexe-se e vai com o aluno. Ou seja, a gravação só dá aquele tempo para tocar, aquela pulsação, e o aluno tem de se adaptar a essa pulsação, enquanto o pianista acompanhador faz ao contrário, adapta-se e vai com o aluno. Há alunos que tocam mais rápido, outros mais devagar, há alunos que precisam de tempo para chegar a um determinado andamento. A música não é uma máquina. Nós muitas vezes ajudamos o aluno a respirar, acaba por tudo fazer parte da música que tem de ser trabalhada em conjunto e as gravações não permitem isso. Se eu vejo que um aluno está aflito com uma passagem difícil, complexa, que é muito rápida, eu posso ajudar e puxar o andamento para trás para ser mais fácil para ele, por exemplo. Supostamente o trabalho do pianista acompanhador é ir com o aluno: se ele corre, eu tenho de correr também com ele, mas também posso ajudá-lo a travar para que ele não corra, e isso uma gravação não faz.

O que me faz feliz neste trabalho? Muita coisa! Principalmente é o tocar, é o poder levantar-me de manhã e sentar-me ao piano e saber que vou estudar piano. Isso acho que é das coisas que me faz mais feliz. E depois também o trabalho que faço com os miúdos, vejo o progresso que eles acabam por fazer e que, em certa parte, também tem a ver com o trabalho que faço com eles, quer seja com o professor na aula, quer seja fora, com ensaios que faço individualmente com eles, pois muitas vezes o tempo de uma aula não chega. E esse trabalho também é muito importante, estamos ali os dois sem a “interferência” técnica do professor (eu não percebo de violino ou de trompa, não percebo, eu percebo de música) e aí às vezes consigo desbloquear certos bloqueios indo pelo trabalho musical que faço com o aluno, e isso é gratificante.

O que gosto menos é a pressão que o trabalho tem em provas, concertos... Às vezes temos de preparar obras ou peças num curto espaço de tempo, temos de desenrascar muitas vezes. É difícil estar bem preparado porque são muitos alunos, é muito repertório para preparar, para estudar.

Por exemplo, quando temos mais de quarenta alunos para acompanhar… eu não tenho um metrónomo dentro de mim... há alunos que tocam a mesma peça em diferentes andamentos e eu não me lembro de todos, é normal. Mas às vezes também pode criar situações desconfortáveis de o aluno começar e eu não começar, ou de eu começar e o aluno não entra..., mas também faz parte nós sabermos lidar com essas situações.

Claro que à medida que vamos tendo mais experiência, vamos tendo mais "repertório em dedos" e vamos melhorando. Mas, essa pressão é a parte de que gosto menos. E também, às vezes, de lidar com alguns feitios de colegas que são mais resistentes a ouvir outras opiniões, ou a estarem abertos, ou a, principalmente, respeitarem o pianista acompanhador. Nós estamos ali, somos um colega, somos também professores e podemos contribuir para o progresso do aluno. Alguns professores ouvem-nos e até perguntam, mas outros não, são aqueles que acham que nós somos a “aparelhagem”.

Se não fosse pianista acompanhadora, e se não me tivesse dedicado à música provavelmente estaria ligada ao desporto porque foi a minha dúvida: tive de decidir entre música e desporto. A música e o desporto têm muita coisa a ver, acho eu, porque um pianista acaba por ser um atleta, e na perspetiva profissional, um atleta de alta competição: temos de estudar horas e temos de estar em forma para conseguir tocar sempre e depois há o momento da performance.

Como é que ser pianista influenciou a pessoa que eu sou? Se calhar, a música acaba por me ajudar a combater a solidão. Eu vim de Oliveira de Azeméis para o Porto, com quinze anos, estudar música e acabava por estar muito tempo sozinha. O estudo do piano é muito solitário. E a música ajudou-me, e ainda hoje ajuda, acho eu, a combater a solidão. Para estudar música, preciso de estar sozinha, mas ao mesmo tempo a música faz-me companhia, estou eu e o piano.

Para ser uma excelente pianista acompanhadora é preciso, principalmente, não querer mostrar-se. Porque é um trabalho de equipa que temos de fazer com o aluno e conseguir que ele mostre todo o seu potencial. O ideal é que consigamos que o aluno brilhe, independentemente de ser talentoso, de ser bom, de ser mau, mas que ali ele brilhe de alguma forma.

Não é eu ser invisível, é eu não me querer impor para que façamos um trabalho de música de câmara. Não estou ao serviço do aluno, estou com ele. Também não me devo apagar porque o aluno tem de perceber que tem ali outra pessoa, porque está. Ele também deve perceber que tem de ouvir a outra pessoa, que tem de estar com a outra pessoa, que tem de respirar com quem está a tocar com ele, seja um piano, seja outro instrumento.

O conselho que dou a quem quiser fazer bem este trabalho, é tocar com outras pessoas, o máximo de pessoas possível e o máximo de instrumentos variados, duos, trios, quartetos, por aí fora. Isso é uma coisa que falha no nosso curso. Por exemplo, um violinista acaba por ter mais esse traquejo, tocam muito em conjunto, em orquestras e com outros instrumentos por serem um instrumento melódico precisam de outro suporte, tocam muito com outras pessoas. Nós pianistas não, nós fazemos sempre um trabalho mais isolado. O trabalho com outras pessoas, mais em equipa, faz muita falta. O conselho que dou é que se habituem a tocar com colegas, com amigos, enquanto estudantes, para saberem estar com o outro.

O piano é muito individualista. Nós, só por si, fazemos tudo, somos um instrumento melódico e harmónico. Aprender a ouvir quem está a tocar connosco, é importante, porque, às vezes, estamos tão embrenhados na nossa "coisa", nas nossas dificuldades técnicas (que toda a gente tem), que se torna difícil para o pianista ouvir o outro.

O que é acrescento à vida dos outros? Sei lá…se não existisse a minha profissão faltava o piano para tocar com os alunos, talvez o lado humano e de cumplicidade que também criamos com quem tocamos. Não sei o que possa acrescentar mais…

O que me mantém motivada? Fazer música! Eu gosto muito de fazer música… e com outras pessoas dá-me um gosto especial. Sozinha não é a mesma coisa.

| Maria João |

Sobre o Projeto:

Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.

Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.

Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.

| Vítor Briga |

 

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Vítor Briga
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14 de dezembro de 2019

'É a minha arte. Não tenho outra.'

'É a minha arte. Não tenho outra.'




A minha profissão é construção civil, faço um pouco de tudo, trolha, pintura, azulejos, também arranjo persianas, faço pichelaria… 

Ora bem, tornei-me um “faz tudo” nesta área porque eu comecei a trabalhar com dez anos e meio como ajudante de marceneiro, ia para a escola de manhã e de tarde trabalhava a ajudante de marceneiro, depois aos doze anos, quando fiz o exame da quarta classe é que fui para a construção civil trabalhar com um cunhado meu e aos dezasseis anos já era o que sou, porque sabe como é, nesta área a gente começa desde pequenos, começa debaixo e acaba em cima e onde se aprende a arte é com estes mestres. Eu tinha dezasseis anos e já sabia mais que os meus cunhados e irmãos, que os mais velhos do que eu. 

O que me levou a este trabalho foi a necessidade porque naquele tempo, há quarenta e tal anos, era um tempo de muita passa fome e os meus pais eram de São Pedro da Cova, o meu pai trabalhava nas minas, a minha mãe era entravada de uma perninha e havia muita fome e o meu irmão mais velho, que Deus o tenha em eterno descanso, ia trabalhar um mês, recebia, e só passados dois meses é que voltava a casa e, pronto, eu mal fiz o exame da quarta classe fui trabalhar para ajudar a casa. 

Para eu aprender não é preciso estarem a explicar basta eu ver e depois eu vou apanhar a prática. Foi  como comecei a chapar massa. Não foi ninguém que me ensinou a chapar massa, eu era rapazinho trolha, moço, e depois ao fim da tarde tínhamos de lavar a ferramenta dos oficiais, havia aqueles camiões de areia e a gente ia lá para a beira lavar a ferramenta e eu pegava na colher e na talocha deles e com areia ia tentando apanhar o jeito e foi assim que aprendi a chapar massa. Ver outros a fazer e eu fui fazendo e ganhando prática, a prática sempre acima de tudo. 

Nessa altura a arte era diferente de hoje, porque hoje temos uma construção mais fácil, antigamente a gente tinha de assentar tijolo, se a casa fosse feita de pedra, era a pedra, carregar placas, quando não havia betoneiras era à mão, era uns a fazer a massa, outros a encher e outros a guindar. Era outra forma de trabalhar, enquanto agora vem um camião de massa, vem uma máquina, que eles chamam a lombriga e leva a massa para lá. 

O que me faz feliz neste trabalho? Ora bem, é trabalhar! É ter trabalho, lidar com pessoas honestas, que eu também sou, não é? O que me faz feliz é isso… e deixar as coisas em condições, porque se eu for ali ao meu telemóvel, vê só clientes ali, tenho duzentos e tal números. Que eu fique satisfeito com o cliente e gosto que o cliente fique satisfeito comigo para que qualquer trabalho que haja “É o João!”. 

O que gosto menos neste trabalho? Ora bem, não gosto de muito de ferrageiro, também sei, mas não gosto muito. No geral, da minha arte gosto de fazer de tudo, mas às vezes encontramos coisas que pensamos que vamos demorar uma hora e demoramos três e quatro… é isso que às vezes chateia… são essas dores de cabeça que eu não gosto. 

Também não gosto quando o cliente não está satisfeito e não me diz nada no momento, eu prefiro que o cliente chegue à minha beira e diga “aqui não está bem”, “dê aqui mais um bocado” ou isto ou aquilo do que dizer que está pronto, “está bom, está bom” e passado um bocado vira-se as costas e vai dizer a outras pessoas que não ficou bem, prefiro que me liguem logo e digam venha aqui dar uma saltada porque não ficou bem. 

Se não fosse isto? Ora bem, gostava de ter uma profissão que era boa, e que não se fazia ‘nada’: porteiro! Porteiro de um prédio, se os inquilinos precisassem de alguma coisa iria ajudá-los a levar as coisas lá em cima e… aliás, já fui vigilante numa escola e também fazia de tudo, se uma porta estivesse estragada ou o que fosse preciso. 

Histórias boas tenho muitas, quer eu trabalhar por mim quer para outros patrões. Ora bem, pela negativa lembro-me de um cliente em que fui aplicar uns azulejos, mas os novos materiais nunca vão casar bem com os antigos, e ele insistia, e até me chateei com ele, foi um patrão para esquecer, porque queria que ‘eu preenchesse o Euromilhões, que lhe saísse a ele, e eu ficava sem nada’. Queria que eu fizesse como ele queria sem ter as coisas! 

Para ser excelente profissional na minha área, ora bem, é preciso saber, mas não é os estudos – agora para ir para varredor é preciso ter o nono ano, ou o décimo ano, e depois é preciso ir tirar um curso - isso não conta, o que conta é a prática, a prática desde novo até uma certa idade, ganhar prática! O que as pessoas valorizam na minha profissão é a sabedoria e, às vezes, as ideias de mim próprio para o que o cliente quer. 

O conselho que eu daria a alguém que está a começar esta profissão, se eu tivesse hipóteses, era pô-lo a trabalhar comigo, se não tivesse hipóteses de o pôr a trabalhar comigo, era dar-lhe conselhos a ele para começar de novo, o mais novo possível, isto se fosse para trabalhar, mas se ele tivesse coiso para estudar, que seguisse os estudos primeiro…apesar que, vamos ver, há muita gente que tem cursos e estudos e querem trabalho e não têm . 

O que acrescento a vida das pessoas? Ora bem, o que eu faço melhora a vida das pessoas, a pessoa sentir-se bem com o trabalho que foi feito. 

O que me mantém motivado para continuar neste trabalho? É a minha arte. Não tenho outra.

| João |

Sobre o Projeto:

Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.

Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.

Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.

| Vítor Briga |

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Vítor Briga
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1 de maio de 2018

'Nunca ter a tentação de parar nos momentos difíceis.'

'Nunca ter a tentação de parar nos momentos difíceis.'





Comecei a praticar pole dance depois de ter o meu terceiro filho. Eu queria fazer algum exercício, alguma atividade, porque estava há muito tempo parada, e como tive três pequenos muito seguidos, eram praticamente três bebés, que eu tinha de carregar. Quando vivia no Canadá, estava sozinha, não tinha ajuda nenhuma, encarregava-me de tudo, e comecei a sentir falta do exercício, de ter as posturas corretas, comecei a ter tantas dores na costas que por vezes não me conseguia levantar de manhã e fiquei com medo, porque quando tens filhos tens responsabilidades. Ou seja, eu pensei fazer pole dance por causa dos meus filhos! É engraçado...

A fisioterapia não me ajudava e vi uns vídeos na internet e parecia muito giro, pensei "É uma coisa muito bonita, é espetacular, quero fazer isso"... e assim aconteceu, fui experimentar vários estúdios em Montreal, encontrei um de que gostava e repeti o curso de iniciante três vezes porque achava que não conseguia, que era difícil e cada vez que fazia, doía mais. O corpo ganha contraturas, mas tens de seguir e vencer esta dor e depois, ao fim de um ano, já estava muito bem fisicamente e, entretanto, já tinha comprado uma barra para treinar em casa, porque com os pequenos era difícil sair, e os pequenos também começaram a subir e a descer, também adoraram. 

Quando eu era criança, na Rússia, fazia dança, adorava ir patinar, esquiar, subir às arvores, enfim, como todas as crianças. Na escola, a educação física era muito importante: um dos testes era subir à corda e subir à barra, tínhamos uma barra fixada no teto para subir e eramos avaliados por isso...mas eu nunca conseguia, nunca consegui! 

Mas lá na Rússia há uma visão com a qual eu não concordo nada. Lá as pessoas são rejeitadas, se veem que não tens capacidade física, e eu ficava sempre como uma criança com desenvolvimento físico baixo-médio. Fui qualificada, etiquetada, assim, e vivi com este preconceito de que coisas de educação física não eram para mim. De início etiquetam-te, e eu achava que isso era normal, porque de criança é o que tens, é o teu mundo e não sabes que existem outros sistemas. Por exemplo, nunca apostei no ballet, porque não era flexível o suficiente e, então, eu não tentava porque já sabia que não conseguia... eu não tentava... percebes? 

Se fosse um atleta com potencial olímpico apostavam, senão rejeitavam, mas a nível humano acho que isso não compensa. É classificar a pessoas... Quando tive os meus filhos, e comecei a ler sobre educação de infância, percebi que não é assim e comecei a abrir os olhos. Não podes classificar a crianças porque isso define a vida das pessoas. 

Depois decidi vir do Canadá para Portugal, e a minha instrutora lá mostrou-me um movimento que era muito difícil e que eu achava que nunca iria conseguir fazer e ela disse "Tu vais conseguir fazer!" E respondi "Se eu fizer este movimento quando for lá a Portugal, vou abrir um estúdio de pole dance!" E consegui. 

Fiquei mesmo enamorada da pole dance porque é uma coisa tão completa, tão bonita, envolve plástica, flexibilidade, força, espírito, é uma coisa que te faz querer seguir novos desafios porque habituas-te a algo que tu achavas que nunca irias conseguir fazer e de repente conseguiste, e outra, e outra, e outra... e aprendes que qualquer pessoa é capaz de atingir o que quiser com trabalho constante, e que não é uma coisa de outro mundo. É esta transformação na pessoas que eu adoro ver. 

Tudo na nossa vida é assim, nós achamos que não somos capazes de conseguir, mas quando sabemos onde estamos e onde queremos chegar e temos a disciplina constante e o trabalho duro, é isso que nos faz converter os nossos sonhos em realidade. É mesmo estar focado, pensar: "Eu com as minhas capacidades consigo começar e fazer o caminho". E não importa se eu chego até onde aquele chegou, eu tenho é que me comparar com quem eu era há um ano, e não com o outro, e saber excluir o que os outros estão a pensar e focarmo-nos nos nossos próprios objetivos, porque por vezes há tanto barulho exterior que não nos deixa fazer o que nós queremos fazer realmente. 

Se as pessoas procuram a pole dance por motivos eróticos? Qualquer dança é a expressão das nossas emoções, a dança de varão pode ser tanto erótica, desportiva, contemporânea... A dança sempre ajuda à atratividade, mas qualquer dança pode ajudar, pois ganhas controle do teu próprio corpo. Vais ao ginásio para ganhar músculos para ficares mais atrativo. Nós os seres humanos sempre temos esta parte erótica na cabeça, quando fazes dança isso também está presente. 

Se este trabalho me faz feliz? Eu não diria que me faz feliz, porque eu nunca quis ser feliz... Ser feliz, para mim, não é um objetivo, não percebo o que isso quer dizer...mas acho que preciso de ter a vida cheia de sentido. Quando tu consegues afetar a vida dos outros e ver que os outros mudaram, ficaram melhor por tua causa, isso enche-me de sentido. 

Ouvir as pessoas a dizer "Eu conheci-te e a minha vida mudou", é isso que não tem preço nenhum. Mudam porque ficam com mais segurança, mais contentes no trabalho, nas relações pessoais. Uma pessoa que quando quer alguma coisa pensa no que precisa de fazer para conseguir, e não no medo de fazer, isso é outra atitude! 

Alguma coisa de que não goste neste trabalho? Não tenho nada que não goste neste trabalho... Ok, as mãos! As minhas mãos ficam assim cheias de calos, ninguém me quer pegar nas mãos, o meu "ex" dizia que as minha mãos são horríveis... E, também, claro, por vezes, quando estás em baixo não te apetece vir dar aulas, mas entro aqui e esqueço tudo, às vezes acaba a aula e eu penso "Nem pensei nos meus filhos"... entras num estado...eu não penso em nada, tudo fica...não sei como explicar... 

A pole dance mudou-me como pessoa. Eu achava que não valia para nada, e que era tímida, e agora todos me dizem que tenho jeito para negócios. E tenho imensas ideias, disciplina e autoconfiança. As pessoas vêm aqui com uma ideia de que vão ser mais atrativas na relação e eu digo: "Vocês tenham cuidado porque foi por causa da pole dance que eu me divorciei! Vocês vêm para ficar com um companheiro, mas pode ser o contrário, podem se separar, eu não me responsabilizo por nada!" Porque isto ajudou-me a ganhar confiança e a ver o que preciso. 

Também o meu "ex" nunca gostava do que eu fazia, e eu achava estranho estares com uma  pessoa e ela não gostar do que tu fazes, e depois comecei a estudar contabilidade, e ele também não gostava, e eu pensei "Se esta pessoa não gosta de nada do que eu estou a fazer, não gosta de mim, para que é que vou estar com ele?" E eu senti isso no corpo: com três crianças pequenas num país em que não tens família, não falas a língua, não tens trabalho, não te vais divorciar, isso seria o que os malucos fariam... mas eu fiz! Porque eu tinha esta confiança de que ia conseguir. 

O conselho que dou para praticar pole dance é nunca ter a tentação de parar nos momentos difíceis, porque é o que mais custa. 

Para ser um excelente professor é preciso ver o que precisa cada pessoa. E também ter muita paciência e saber que há pessoas que começam a aprender e que quando chegam a um nível que começa a ser difícil desistem. É normal, é como em qualquer curso, mas há professores que se desesperam com isso e pensam "Aquela pessoa desistiu porque fiz algo de errado". Temos de ver as especificidades de cada um. 

Eu acho que acrescento à vida dos outros segurança, disciplina e capacidade de seguir no que fazem sem pensar demais na opinião dos outros. Isso é fundamental! 

É mesmo saber estar concentrado e focado no que fazes. É um "músculo especial" na nossa cabeça que treinamos para isso... o cérebro como um músculo, acho que isto treina uma parte do cérebro que depois funciona em todas as situações... eu chamaria a esse músculo "indiferença", "ser burro", saberes o que tu queres, e porquê. E se os outros opinam, tu vês se é preciso ouvir essa opinião ou não, e se não, tu cortas! É não te deixares confundir! 

O que me mantém motivada todos os dias são os meus filhos, o seu sorriso, e o Studio Up. Este estúdio de pole dance é o meu quarto filho, é o meu projeto, uma coisa pela qual eu lutei. Todos diziam que eu não ia conseguir, todos se riam de mim... É como um símbolo de que eu consigo o que quero. É um símbolo do meu "músculo especial" do cérebro. 

| Luba |

Sobre o Projeto:

Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.

Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.

Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.

| Vítor Briga |
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Vítor Briga
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5 de janeiro de 2018

'Ao mesmo tempo que te desgasta, aquilo faz-te sentir vivo.'

'Ao mesmo tempo que te desgasta, aquilo faz-te sentir vivo.'




Como é que me tornei guia turístico na Islândia? Foi devido a um desgosto amoroso.

Eu estava em Portugal completamente perdido, estava desesperado e, de certa forma, esse desespero é que me levou para a Islândia sem ter uma ideia concreta do que era a Islândia, sem nunca lá ter estado, e sem saber o que ia fazer. Eu simplesmente queria ir…

Eu aqui não tinha um plano de vida, os meus projetos profissionais estavam a falhar, o meu relacionamento tinha falhado…foi uma sequência de coisas que me deixou sem objetivos. Decidi ir para o sítio mais longe.

Quando cheguei à Islândia precisava de ganhar dinheiro, fui com ‘uma mão vazia e outra sem coisa nenhuma’, foi um bocado assim, e então, quando lá cheguei, o primeiro trabalho que arranjei (que nunca imaginei que fizesse, mas uma pessoa aprende) foi um trabalho nos barcos, nos estaleiros navais, a fazer aquilo que faz um ajudante de serralheiro, muito duro num clima muito agreste, mais do que frio, é agreste! De inverno, com vento, frio e chuva a trabalhar nos barcos, para mim foi muito duro! Entretanto, fui trabalhar para um restaurante como ajudante de cozinha. Estava dentro dum espaço, era melhor.

Depois vim a Portugal passar o natal e, quando regressei em janeiro, pensei: “Não quero ficar só por aqui, quero conhecer a Islândia real, quero conhecer mais!”. E então fui para Akureyri, que é no Norte, no círculo polar ártico. Em Akureyri fui à procura de trabalho ao centro de emprego e havia vaga para trabalhar na estância de esqui. Isso marcou o meu percurso na Islândia, trabalhei lá seis invernos e é nessa estância que começo a ter contacto com aquela Islândia real. Na montanha tu tens o verdadeiro tempo da Islândia, as mudanças muito rápidas, temperaturas negativas, tempestades de neve que vêm de um momento para o outro, e tu andas ao ar livre a ter que guardar tudo de um momento para o outro. Todas as pessoas trabalham e ali o trabalho físico é essencial. Não existiria a Islândia atual se não existisse trabalho físico, eles têm uma predisposição física totalmente diferente.

Isto só se entende quando andas numa tempestade de neve e depois da tempestade vais para dentro da sala tomar um café, num sítio quente, e estás totalmente desgastado, porque fisicamente é muito extenuante andar naquele tempo lá fora. Só que quando chegas extenuado fisicamente, chegas mentalmente com uma sensação de liberdade, saudável, de vida! Ao mesmo tempo que te desgasta, aquilo faz-te sentir vivo e é isso que é apaixonante na verdadeira Islândia, esta sensação de vida!

Então, eu apaixonei-me muito por isso e, ao mesmo tempo, como sempre gostei de criar projetos, contactei uma agência de viagens portuguesa a perguntar se queriam que eu organizasse viagens à Islândia.

O contacto com a natureza selvagem, indomável, não moldada pelo homem. Esta natureza é o maior potencial da ilha e é aquilo que me faz feliz, é como estar na montanha, e depois poder transmitir isso às pessoas que lá vão, as sensações que a natureza nos dá. O que gosto menos é a confusão nos sítios que eu conheci sem ninguém há dez anos, e que agora estão cheios de serviços. Eu gostava mais quando eram selvagens, sem cafés e sem lojas a vender lembranças e agora é pessoas, e mais pessoas, e mais pessoas… Sítios que agora têm estradas asfaltadas para reservas naturais, onde antes não podias sequer ir porque eram protegidas. A indústria turística é devoradora…

A minha ida para a Islândia, e este trabalho, mudou-me completamente. Ao estares numa cultura completamente diferente, tu vais aprender a relativizar. Aprendi que se tem de fazer tudo e que tudo é válido. Nós temos de saber fazer tudo. A própria natureza nos ensina isso. Esta ideia de que eu trabalho num escritório e não faço outras coisas, porque não são da minha atribuição, é ridícula na Islândia. Vês crianças a trabalhar a partir dos treze anos, e isso não é exploração, são as próprias crianças que querem porque faz parte da cultura. As mulheres fazem trabalho físico e não te deixam  ajudar, porque não se aplica este cavalheirismo latino daqui, pois elas não o aceitam. Aprendi com a Islândia a relativizar e também aprendi, apesar da natureza, a não me deslumbrar, porque sabes que tudo tem coisas boas, mas que também tem coisas más e isto é válido para tudo na vida e para qualquer local onde estejas.

Uma coisa má lá é a dificuldade de transmissão de afetos. É uma coisa marcante e que dá que pensar. Não vês duas pessoas de mão dada na rua, um beijo, um abraço… há grande dificuldade em dar um abraço a alguém, ninguém abraça ninguém. Eu entendo que é preciso contextualizarmos, que esta noção de espaço, de individualidade, é muito importante e só assim foi possível sobreviver e construir o país, mas, embora entendendo no contexto do isolamento e da necessidade da sobrevivência, aquilo, na verdade, transmite-se um bocado e eu senti que estava também a ficar mais fechado, com mais dificuldade em fazer amizades.

Histórias, tenho várias. Lembro-me de uma viagem que fiz, como guia privado, com um grupo de oito pessoas, dois casais e quatro senhoras. Estávamos a passar o sul da Islândia e estava muito vento, ventos próximos dos cento e vinte quilómetros por hora, e, ao irmos para uma reserva natural, o vento e a chuva era tanto que parei a carrinha e ela abanava toda. Ninguém queria sair do carro, a não ser um senhor que já tinha os seus setenta anos, que queria ir lá fora para sentir a natureza e a mulher disse “Não vais, Manel, não vais lá fora!” mas ele teimou que queria, porque queria sentir. Então, o senhor saiu do carro e foi caminhando até próximo do precipício, porque aquilo são rochedos com mais de cem metros de altura, e quando se virou para tentar vir para o carro novamente, ficou contra o vento e não conseguia andar…cada passo que dava para a frente, dava dois para trás e então gerou-se um pânico dentro do carro, porque o vento arrastava-o cada vez mais para o precipício. Nesse momento, tentei acalmar primeiro as pessoas que estavam comigo dentro do carro e, ao mesmo tempo, dizer ao senhor com gestos para ele se deitar no chão, para não ser levado pelo vento e dar-me tempo para me aproximar dele. Como tinha lá uma corda, amarrei-a a mim e ao carro e cheguei até ele e trouxe-o nas minhas costas, protegido do vento. Quando cheguei ao carro, acho que nunca as senhoras me beijaram tanto! E claro que a partir daí o senhor teve de ouvir a esposa até ao final da viagem: “És sempre a mesma coisa”, “Nunca me obedeces…”

Para ser um excelente guia turístico, tem de se ser preparado em termos de conhecimento geral do país, ter uma noção daquilo que mais desperta a pessoas, saber, por exemplo, que contando lendas consegues captar logo as pessoas. Tem de se ter um misto de informação geral que se possa passar com uma parte sensorial e emotiva. Um misto de sensibilidade e informação. Porque as pessoas são compostas de emoções, as pessoas são afetos e se tu não conseguires lidar com afetos não adianta teres muita informação para dar. Se ouvirmos, tocarmos, um carinho, um abraço, é isso que a pessoas necessitam na vida… não é só na viagem…é na vida. Sem afeto eles desligam da informação. É o afeto que faz com que as pessoas te queiram ouvir.

O que acrescento à vida das pessoas? Beleza. Sem fantasia não existe vida, sem beleza não vale a pena viver. E é isso que a pessoas vão buscar à viagem, algo que faça a vida delas valer a pena, ter beleza, ter magia. Acredito que algumas pessoas se vão lembrar de mim, que eu tenha sido um contributo. Eu sou um veículo, se fizer um bom trabalho, posso fazer com a que a viagem seja um momento inesquecível na vida das pessoas.

Enquanto isto me trouxer beleza a mim também e enquanto as pessoas sentirem beleza nas viagens, faz sentido. É isso que me motiva.

Passados dez anos, a força da Islândia não me curou a ferida do desgosto amoroso. Trouxe-me uma série de belezas, e pode me ter ajudado também nesse caso, mas não posso dizer que curou, porque não posso colocar no exterior algo que tem de ser resolvido pelo interior.

Não é a ir embora que a gente resolve os problemas que tem dentro.

Ivo |

Sobre o Projeto:

Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.

Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.

Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.

| Vítor Briga |

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Vítor Briga
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1 de maio de 2017

'Levar a mente à quietude, à seiva, à fonte do pensamento.'

'Levar a mente à quietude, à seiva, à fonte do pensamento.'




Tornei-me professor de meditação há cerca de trinta anos. Criei um projeto para miúdos abandonados em que os pus todos a meditar. E vi a diferença entre o antes e o depois nos miúdos. A partir daí rendi-me completamente à meditação transcendental. Eles tinham entre os sete e os catorze anos. Mudaram completamente. Ficaram crianças felizes. As pessoas diziam que não pareciam miúdos abandonados. Foi uma inspiração para me tornar professor de meditação. Gostava muito e na altura pensei: que felicidade ver os miúdos que eu tanto gosto, porque eu gostava muito deles, vê-los tão felizes. 

O que me faz feliz neste trabalho é ver os outros felizes. Não há nada que eu possa dizer que não goste neste trabalho. Preenche-me completamente. Como diz Maharishi: "A vida é para viver a 'duzentos por cento'". 

Eu não devia dizer isto, mas entre os vinte e os trinta dizia que queria partir... morrer aos quarenta anos. Era porque tive uma juventude e um período ali durante a adolescência muito complicado que me deixou marcas de ansiedade e de angústia e dizia "aos quarenta não quero viver!". Depois algo mudou a partir do momento em que comecei a meditar.

Esta profissão mudou-me totalmente. Mudou tudo. Comecei a levar a mente, portanto, ao estado transcendental da vida. Aquilo que a Bíblia diz "O reino dos céus está dentro de nós" e que eu procurei toda a vida, até porque eu sou católico, rezava, ia à missa, ia para retiros para Fátima, e nunca encontrei isso. E a partir do momento em que comecei a levar a mente à quietude, à seiva, à fonte do pensamento, mudei completamente para estados de felicidade.

Tenho muitas histórias que me marcaram. Tenho um miúdo, na escola de Penafiel, que depois de meditar saltou. Deu um salto de felicidade e perguntou-me: "Professor, o que é que me fez? O que é isto?". Num estado completamente... "Eu não fiz nada. Tu é que foste lá.", disse-lhe. 

As pessoas depois de fazerem iniciações fazem verificações comigo durante anos e anos. Sou como um padre ou um psicólogo. É para a vida toda. É uma ligação do campo transcendental da vida. É uma ligação de amizade tão profunda, tão profunda que não há explicação. Nem na família. Eu fico mais ligado às pessoas que ensino a meditar do que propriamente à família de sangue. Eu se vir um meditante, para mim é uma festa. É uma parte de mim. É emocionante porque com estas pessoas eu digo que ia viajar com elas, viver com elas, faziam parte da minha vida e estaria sempre bem. 

O que aconselho a quem quer ser professor de meditação? O mais simples: é só desejar. E para ser um excelente professor de meditação é preciso meditar todos os dias como Maharishi aconselha. E seguir o conhecimento védico em toda a sua pureza. Só isso. 

O que trago de bom à vida das pessoas? A vida! Não há mais nada do que a vida. O caminho de Deus que já está dentro delas. O reino dos céus está dentro delas. E é realmente descobrir a vida a 'duzentos por cento' como Maharishi diz. É completamente diferente. É passar a ver a luz que está dentro da pessoa e que não a via. Tanta coisa que se pode dizer sobre isso.

O que me motiva todos os dias é pensar que cada vez mais posso tornar um país diferente e feliz. Todos os portugueses. O meu desejo é que tenham paz e felicidade. É isso que me mantém. Eu penso em mim, quero ser feliz. E se eu quero ser feliz, também quero ver os outros.

| Nelson |

Sobre o Projeto:

Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.

Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.

Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.

| Vítor Briga |
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18 de abril de 2017

'E a gente se realiza no olhar das pessoas.'

'E a gente se realiza no olhar das pessoas.'




Eu tornei-me costureira aos sete anos, por incrível que pareça. Gostava muito de uma tia minha que era modista na época e foi ela que me ensinou o que eu sei hoje. Ela só fazia roupa se eu a ajudasse e eu com sete anos já comecei a ter noções de costura e hoje graças a Deus sei fazer tudo um pouco.

O que me faz feliz é decoração, fazer roupas novas, com gosto! O que eu gosto menos é quando vêm roupas que a gente vê que não valia a pena arranjar porque às vezes o arranjo até fica mais caro que o valor da peça e as pessoas querem arranjar e depois até acham que é caro e a gente fica chateada por estar a fazer uma coisa que sabe que a pessoa não vai valorizar porque a peça em si não dá esse valor.

Se eu não fosse costureira seria enfermeira porque eu gosto de dar atenção às pessoas, gosto de dar uma palavra. Eu quando vou ao Hospital para ser consultada numa urgência qualquer estou mais a cuidar dos outros do que até a cuidar de mim. Vou logo para perto de uma maca perguntar o que tem, se está precisando de alguma coisa, é uma coisa que eu gosto muito.

No trabalho que eu faço, como tenho uma loja ao público, a gente acaba por ser analista, psicóloga, conselheira, sei lá, muitas coisas, então através disso a gente também muda o nosso modo de ser, até porque a gente vê, de uns polos aos outros, a nossa vida, a vida do outro e depois pensa "Puxa estou tão aborrecida por isto e por aquilo, mas fulano está pior do que eu e até nem parece!" e uns ajudam aos outros. Aqui na loja aparece gente de tudo e eu ajudo todas as pessoas de um jeito e elas também me ajudam, é uma troca.

Tenho bastantes histórias, tenho clientes que deixam a carteira aqui com muito dinheiro e às vezes numa altura em que a gente está sem...; Tenho clientes que vêm porque querem aquilo porque à noite vão sair, vão a uma festa xpto, a gente faz, está aqui à espera a secar a vida toda e o cliente não aparece e fica a roupa três quatro meses aqui; Tenho histórias de roupas para meninas das alianças que os pais quando veem as filhas ficam encantados e a gente se realiza no olhar das pessoas, é muita coisa...

Para ser uma excelente costureira principalmente é preciso ter amor naquilo que faz. Se não gostar não vale a pena fazer, e também saber aconselhar, porque às vezes se a gente disser assim "Desculpe lá, é o meu conselho, vou perder dinheiro, não faço! Compre pronto, para o que é fica mais barato" é melhor. Eles procuram a honestidade nossa para com eles. Ganhar dinheiro está difícil para nós, mas também está difícil para os outros. Se tem conserto, tem conserto, se não tem conserto, olhe, amigos na mesma. Porque depois as pessoas umas passam às outras e quando vamos a ver temos uma boa clientela, que nem é mais cliente são amigos, são pessoas que a gente começa a conhecer anos, vêm hoje, vêm amanhã, é...eu acho que é por aí.

O que trago de bom à vida das pessoas, por aquilo que os meus cliente dizem, é que estou sempre alegre, tenho sempre uma palavra amiga tenho sempre uma palavra de conforto. Às vezes as pessoas vêm só dizer "olá" e isso é muito bom. Dou conselhos para vestir, e se me pedirem coisas particulares, se tiver em condições de dar, a gente dá sempre uma palavrinha amiga, às vezes um abraço apertado, um beijinho a um velhinho que está precisando, isso é como tudo.

O que me faz vir para cá todos os dias é porque temos que andar, temos que batalhar pela vida, nada cai do céu. Isto para mim é um laboratório, é um jeito de eu manter a minha sanidade mental, é um jeito de eu ganhar a minha vida, sou sozinha, é daqui o meu sustento, vamos à luta que a vida é curta!


| Rosinha |

Sobre o Projeto:

Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.

Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.

Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.

| Vítor Briga |
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7 de março de 2017

'Fazer a vida sempre de novo.'

'Fazer a vida sempre de novo.'



Vim da aldeia para a cidade muito novo. Comecei por ser empregado de mesa no Café Boavista e depois na Feira Popular do Porto. Depois fui trabalhar para a residencial Portinari e o patrão cedeu-me as quotas para ser sócio e não recebia ordenado. O nosso ordenado, meu e da minha esposa que também trabalhava lá como empregada de limpeza, era retido para amortizar as quotas, e assim acabamos nós por ficar com aquilo. Desde 1976, passei de servir à mesa a gerir o meu próprio estabelecimento. Depois fomos para um restaurante na praia do Cabo do Mundo, depois passamos o do Cabo do Mundo e fomos para um na Ribeira do Porto, e agora estamos aqui.

O que me faz feliz no trabalho? É estar presente e ter trabalho.

O que gosto menos neste trabalho? Gosto de tudo! Só quando há conflitos e confusões, desacordo entre o pessoal, desentendimentos, é que me chateia um bocado, de resto não.

Se não tivesse tido este trabalho, teria tido qualquer outro, eu adapto-me a qualquer serviço, tudo dependia, conforme trabalhei em cafés, trabalhava noutra coisa qualquer.

O meu sonho? Gostava de ser formado, olha que carago...mas na altura as coisas não se proporcionavam para isso. Em quê? Em arte ou coisa assim do género...

Há muitas histórias, há conflitos, há altos e baixos, há imprevistos. Quando tínhamos o restaurante no Cabo do Mundo, o mar veio e levou-nos aquilo, quando viemos para a Ribeira, as derrocadas de pedras e terras tiraram-nos de lá, são coisas que não se esquecem, ter que fazer tudo de novo, fazer a vida sempre de novo...

Para ser excelente a gerir um restaurante é preciso gostar do que se faz, e estar presente! O que trago de bom às pessoas, aos clientes, é que sinto o prazer em os servir bem com poucos custos, prestar um bom serviço com custos reduzidos. O conselho que daria a alguém que queira gerir um restaurante é para estar presente e ser equilibrado.

O que mantém motivado para vir trabalhar todos os dias é gostar do trabalho, daquilo que faço, e querer estar presente no serviço do dia a dia. E também fazer face à vida...e aos custos que temos.

| António |

Sobre o Projeto:

Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.

Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.

Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.

| Vítor Briga |
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3 de fevereiro de 2017

'É que, além de limpar, ajudo as pessoas em muitas outras coisas.'

'É que, além de limpar, ajudo as pessoas em muitas outras coisas.'




Uns chamam-me técnica de limpeza, outros chamam-me empregada a dias. Comecei a fazer este trabalho há cerca, mais ou menos, de doze anos depois de ter trabalhado num escritório vinte e dois anos e de ter ficado no desemprego. Tive de me mexer! E com conhecimentos de pessoas que me conheciam indicaram-me para casas de pessoas, engenheiros, doutores, psicólogos.

O que me faz feliz? Gosto de comunicar com as pessoas, sou uma pessoa comunicativa, gosto do que faço, sou uma pessoa que sempre gostei desta área das limpezas e, acima de tudo, uma pessoa distrai-se muito, conhece-se muita gente e, pronto, passamos bem as horas a trabalhar.

Se não fosse empregada a dias o que é que eu gostava de ser? Ora bem, é assim, eu gostava da profissão que fazia antes, também gostava de atender telefones como sou comunicativa... mas hoje gostaria de ter uma área onde pudesse ter, por exemplo, animais, jardinar, gosto das plantas. Portanto, se um dia me dedicasse pessoalmente, sem ter de trabalhar, gostava de tratar das plantas e de ter cães, ou tomar conta de cães das pessoas amigas. Acho que era uma coisa que me fascinava.

Uma coisa que nunca mais me esqueço foi um condómino que morreu num incêndio. Eu não quis ver, mas fui eu que chamei as pessoas quando vi o terceiro andar invadido pelo fumo. Nesse dia não consegui comer.

O conselho que eu diria a alguém para ser uma excelente empregada a dias era para ter pessoas que a possam indicar para os serviços e ser uma pessoa que faça o serviço o melhor que sabe e, acima de tudo, ser uma pessoa honesta para que todas as pessoas possam confiar nela.

Esta é uma profissão que as pessoas precisam. Devido à sua vida de stress, necessitam da nossa ajuda. Eles dizem mesmo que nós somos pessoas que eles não podem dispensar, devido à vida que têm, que não conseguem ter tempo para fazer as coisas. É que, além de limpar, ajudo as pessoas em muitas outras coisas. As pessoas sabem que eu tenho aquela disponibilidade que precisam para me ligar e dizer “Ó Dona Beatriz, pode-me ir passear o meu animal que eu não vou a casa, não tenho tempo” E eu faço, e é uma coisa que gosto de fazer.

O que é que me mantém motivada? Ora bem, não venho contrariada para o trabalho porque gosto do que faço e acima de tudo porque tenho mesmo ainda de trabalhar. Há uma força obrigatória... no fundo temos mesmo de fazer alguma coisa, porque temos necessidade. É uma questão de sobrevivência.

| Beatriz |

Sobre o Projeto:

Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.

Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.

Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.

| Vítor Briga |
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12 de janeiro de 2017

'Porque nós somos uma troca...de energia.'

'Porque nós somos uma troca...de energia.'




Tornei-me cabeleireiro devido a algo de que não estamos conscientes e que é o que nos põe no local certo, à hora exata, no momento certo, a fazer aquilo que temos de fazer. Nós, às vezes, pensamos que "eu sou isto", "sou aquilo", "vou por ali", "vou fazer isto", "vou estudar", e não sei que mais..., quando podemos já trazer registos ou matrizes em que divinamente somos colocados: "tu agora vais para ali!" e quase nem temos mais nada a fazer. É só seguir...

Seguir a mente humana não tem mal nenhum, mas estar conscientes de que também existe uma mente divina, também, provavelmente, não tem.

O que me faz feliz neste trabalho é a esperança de poder ajudar as pessoas em níveis de consciência dos quais nós não estamos conscientes. Mesmo que eu te queira estar a dizer este é o tipo de ajuda que te estou a prestar, eu não estou consciente de todo, nem de quase de nada, do tipo de ajuda que eu te estou a dar ou tu a mim. Porque nós somos uma troca... de energia. Uma troca, enfim, de tudo o que nos rodeia.

Isto, para mim, não é só cortar o cabelo, é um encontro. Eu acho que seria uma pessoa mais rica se conseguisse estar aqui a cortar o cabelo a Jesus. Seria um outro ser provavelmente. E será que Jesus não está em todos que vêm aqui cortar o cabelo? Provavelmente está. Se eu puder fazer alguma coisa para ajudar a quem estou a cortar o cabelo, a encontrar o Jesus que está nele e ele ajudar-me a encontrar o que está em mim, ótimo!

O que me pode fazer infeliz é quando noto que há uma resistência do outro lado a uma nova consciência. Não estou a dizer que isso é bom ou que é mau, porque cada ser está num processo evolutivo, e eu não posso querer que alguém que esteja agora a brotar, a germinar do solo, já esteja em flor ou em fruta a amadurecer.

Há muitas histórias marcantes neste trabalho mas assim de repente não estou a ver uma para te destacar. Eu levo para casa todos os momentos porque nós acabamos por ser uma parte de todos aqueles que conhecemos.

O que me faz continuar todos os dias? Fazer a vontade ao Pai. Tentar, pelo menos...

O que é o Pai? É esta força que nós estamos habituados a achar invisível e que torna tudo isto possível.

| Fernando |

Sobre o Projeto:

Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.

Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.

Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.

| Vítor Briga |

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Vítor Briga
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23 de dezembro de 2016

'Agora o que me faz feliz no trabalho é fazer doces.'

'Agora o que me faz feliz no trabalho é fazer doces.'




Eu não gostava da cozinha, sinceramente eu não gostava da cozinha. Tornei-me cozinheira há 37 anos para ajudar os meus filhos a crescer e para terem dinheiro para a escola. Tornei-me cozinheira a pensar no futuro deles, para os fazer doutores que era o meu sonho antigo. Juro pela minha santíssima mãe! Eu não gostava, mas depois fui-me habituando e agora faço com gosto o que faço, gosto de fazer bem feito.

Agora o que me faz feliz no trabalho é fazer doces. Sinto-me melhor, é mais leve, é uma coisa diferente. O que eu não gosto neste trabalho é quando vem muito stress, tudo junto, muita confusão, toda a gente a pedir coisas à cozinha, quando a gente se queima, é horrível...

Quando era pequenina queria ser costureira, mas a minha mãe não podia ajudar-me. Agora queria ser florista. Isso é que era! Adorava, adorava, adorava...quem sabe se um dia ainda posso ser, quando me reformar. Ter uma florista, eu gostava imenso, adorava trabalhar com flores...ainda tenho esse sonho.

O que é ser uma excelente cozinheira? É, sei lá, como é que me hei-de exprimir, é fazer as coisas bem feitas, limpas, a comida bem apuradinha, como deve ser...

O que trago de bom à vida das outras pessoas? A alimentação é importante... as pessoas têm de comer. Elas vêm comer, se ficarem contentes, vão satisfeitas, eu também fico satisfeita em servi-los bem.

Mas o que me mantém motivada todos os dias é a minha netinha. Quando o chefe me começa ali a chatear, eu penso "fala para aí!", viro costas, penso na minha neta e acabou. Ela veio me trazer outra vez motivação. Os meus filhos foi para começar, a minha neta é para continuar. Temos de ter uma fé.

| Antónia |


Sobre o Projeto:

Qual é a história da pessoa que conhecemos a fazer o seu trabalho? O que é que a faz feliz na sua função? E infeliz? De que forma aquilo que faz influencia a pessoa que é? Como é que ela pensa que o seu trabalho ajuda os outros a ter uma vida melhor? O que é que a motiva a continuar todos os dias? Num mundo em que cada vez mais se exigem resultados, e a energia escasseia para ver verdadeiramente o outro, este é um projeto fotográfico e de storytelling sobre a face humana do trabalho.

Com a fotografia tento captar a 'essência' da pessoa, a sua individualidade, a sua verdade, e por isso evito que se esconda atrás do seu sorriso, se este não for natural. Gosto de a fotografar no seu contexto profissional para que possamos ver o "humano no trabalho", utilizo apenas a luz que existe nesse local e, por último, optei pelo preto e branco para que a cor não seja uma distração ao essencial: para que as marcas da vida, as rugas, a emoção no olhar e as formas do rosto e do contexto fiquem mais evidentes e intensas.

Aqui interessa-me a recolha da história simples e sintética da pessoa na sua relação com o trabalho, como este o transforma enquanto ser humano, e de que forma ajuda os outros. Escrevo as palavras tal e qual como me são ditas para não contaminar a verdade do entrevistado com correções e com as minhas interpretações.

| Vítor Briga |
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